Um dos mais dramáticos e contundentes relatos dos professores em greve vai agora publicado. É o retrato das dificuldades, dos desafios, das gigantescas montanhas que os professores precisam vencer para cumprir a missão. Eles, muitas vezes, sobre mais do que os pais na educaçao de seus filhos. E, também com frequência, sentem-se impotentes para executar as regras do ensino de qualidade. O e-mail é da professora Irene Regina Correa. É longo,mas merece cuidadosa leitura e muita reflexão. Em respeito à professora vai na íntegra. Acompanhe:
Sou professora ACT há 12 anos, tenho 37 anos de idade, me chamam de “professora Iara”, sou cidadã, filha, mãe e pai de duas crianças maravilhosas e mãe de outras dezenas (cresci com a concepção de que professora é nossa segunda mãe), e não posso deixar de mencionar que ser professora, educadora, formadora, me deixa muito orgulhosa e dá satisfação aos meus filhos e família, e preciso dizer: “EU ACREDITO NA EDUCAÇÃO”, porém, ”ESTOU EM GREVE SIM!” Cansei, cansei de chegarem épocas de outubro e começar a pensar que o ano letivo está acabando, que em dezembro receberei quinze ou dezesseis dias de trabalho, que em janeiro e fevereiro não terei um salário, aliás não terei um emprego… Pra que uma formação, profissão e não ter um emprego? As aulas recomeçam, vários professores como eu, sem remuneração, sem empregos e alunos voltam para casa porque “ não” tem professores!? Prestamos uma prova ao termino do ano, onde as formações e graduações dão pontuações e com o resultado de nossas provas somos colocados em uma listagem, quer dizer somos transformados em números. Aí vem o dia das tais escolhas, lá encontramos professores, sofredores, que vivem a mesma angustia que eu, tem dias que chegamos ás 8:00hs e saímos às 20:00hs derrotados pelo cansaço e pelo fato de ainda não ter arranjado um emprego, não ter dinheiro para nos alimentar direito. Não podendo deixar de lembrar que depois desta primeira e árdua batalha, depois que a merenda foi privatizada não podemos comê-las, se sobrar, por incrível que pareça, a ordem é JOGAR FORA! Mas já estamos nos acostumando, e tupperware (vasilhame plástico) com o almoço já faz parte do kit do professor, e na sala dos professores durante o meio dia, respeitando a ordem de chegada, em fila indiana, esperamos a vez de aquecê-la no micro ondas que ainda é permitido usar, mas o pior de tudo é ficar na fila do banheiro para escovar os dentes e lavar nossas vasilhas. Ah! Antes que se perguntem, o que ela faz com seu vale refeição? Nós professores já o apelidamos de “vale coxinha”, o que o governo nos dá são R$ 6 por dia (se trabalho três períodos posso gastar R$ 2 por turno), ou seja, R$ 132 mensais – se não houver feriado naquele mês é claro. Se acham que isso é tudo, ainda não acabou, trabalhei em uma escola, ano passado onde fui contemplada com um aluno “especial” em “vadiagem” – quando na escola vizinha já tinha batido em alunos, cuspido em professores,depredado carros de professores, a escola e outras perversidades, uma santa alma que não se sabem de onde, mandou que a escola teria que dar vaga para essa “criança”, que a educação especial mandaria uma 2ª professora para que ele não agredisse ninguém(não tenho nada contra as 2ª professoras, bem pelo contrário, foi com uma dessas companheiras que fizemos trabalhos maravilhosos e nos realizamos ). Esse aluno por meses, me fez duvidar da “educação”, em plena 07:45 hs pisava na porta e gritava(com o perdão das palavras)”Quem olhar pra mim, vou encher de PORRADA” – era repugnante ver as crianças olharem pro teto ou paredes e se encolherem para não serem agredidos com socos,tapas, puxões de cabelos e orelhas, é engraçado mas até eu e a outra professora, também olhávamos para o teto. Mandava-me “CALAR A BOCA” quando ia explicar os conteúdos; me chamava de CADELA, VAGABUNDA, quase sempre jogava em mim e ou nas crianças cadernos, livros… Chutava as mochilas, lixeiras, carteiras e cuspia em todos. O conselho tutelar e a polícia quase fizeram parte em minha lista de chamada, pois era constante suas presenças. Junto com a direção, fizemos vários encaminhamento a GERED, com B.Os, relatos e nada, até que um dia após outra vez ser cuspida, minha paciência e profissionalismo foram para o espaço, porque as pessoas esquecem que professores são seres humanos, desabei em prantos pela humilhação e condições que me obrigavam a passar. Comuniquei à direção que iria até a GERED e só sairia de lá com um respaldo, que me mostrassem que lei é essa que garantia a permanência de um aluno em sala “especializado em vadiagem” e que não protegia os outros 27. Além de ser apoiada, fui acompanhada da diretora, nos colocamos sentadas até falarmos pessoalmente com o Gerente de Educação, ele desconhecia o fato, chamou todas as responsáveis dessa área, e num segundo em nossa frente marcou uma reunião com a promotoria da Vara da Infância e Juventude de Fpolis. Dias depois, ao reunirmos com o promotor, tive todos os motivos de desacreditar na Educação, pois segundo o promotor esse aluno era mais um que não chegaria aos 15 anos, que o Centro São Lucas estava fechado(sei que ele teve muita boa vontade conosco e que sua visão era diferente da nossa – somos formadores ),que mandaria uma assistente social para averiguar sua família. Isso foi em uma 6ª feira, na 4ª feira seguinte, esse aluno após afiar a ponta do lápis, tentou furar o braço de um “colega de classe”, ao impedi-lo fui mordida e ao cair fui chutada, com a mão que tentava contê-lo, tentou quebrar meu dedo… Só não apanhei mais, porque alguns alunos que estavam no corredor o tiraram de cima de mim! Peguei um táxi e fui até a delegacia da mulher e criança, sentada lá me senti um lixo. Saí às 06:40 hs da minha casa, deixei meus filhos de 14 e 08 anos em casa dormindo, desejei que tivessem uma boa aula, um ótimo dia e que Deus os protegessem, saí para trabalhar e fui humilhada, maltratada e ao invés de estar dando aula estava numa delegacia fazendo um “boletim de ocorrência” por ser agredida por um “ALUNO”! Fui encaminhada para fazer Corpo e Delito, o taxista que me levou ficou penalizado com minha situação e me propôs fazer um preço camarada e me aguardava ao lugares que precisava ir. Maior humilhação foi que o médico que fez meu exame de corpo e delito, falou-me que teria direito de uma licença de 15 dias… Não pude pegar, sabem por quê? Teria R$ 400 e alguma coisa descontada e como relatei no começo sou professora, mãe e pai e esse dinheiro faria falta, deixaria um rombo na minha “geladeira e dispensa”! Mas como existem anjos na vida da gente, minha diretora mandou-me pegar minha bolsa e ficar o resto da semana em casa, fui apoiada pelos pais e pelos alunos. O agressor de 10 anos foi encaminhado a pedido do conselho tutelar e promotoria a fazer exames psiquiátricos, claro que tive me mandar fotos, B.O, relatórios, blá,blá,blá,blá,blá….. E por algum tempo se os velhos e guerreiros amigos me perguntassem, se “ACREDITAVA,AINDA, NA EDUCAÇÃO” não saberia o que lhes dizer!!! Mas quando se é PROFESSOR, QUANDO SE AMA O QUE FAZ, QUANDO SOMOS LEMBRADOS POR ANTIGOS ALUNOS E ELES DIZEM QUE DEIXAMOS UMA MARQUINHA NA VIDA DELES, QUANDO TEMOS AMIGOS QUE SOBREVIVEM NAS MESMAS CONDIÇÕES – SÓ NOS DÁ COMBUSTIVEL PARA SAIR E LUTAR POR DIAS E SALARIOS MELHORES!!!! INDEPENDENTE DE SER EFETIVO OU ACT SOMOS PROFESSORES, JUNTOS TEMOS MUITA FORÇA…”
Texto retirado do site: http://wp.clicrbs.com.br/moacirpereira/?topo=67,2,18,,,67
Sou educadora e confesso que tive que conter as lágrimas ao ler este relato, pois sei que este é o cotidiano de muitos de nós professores. O que ainda dói mais é escutar que ganhamos muito e não trabalhamos, pergunto então o que fazemos? Somos em sala de aula muito mais que educadores, somos pai e mãe, amigo, psicólogo, médico, assistente social entre tantas outras funções que acabamos por exercer, pois quando o Estado falha a sociedade torna-se obsoleta e fracassada, refletindo em todos os setores sociais, família, escola, saúde, segurança, enfim todos os setores que compõem a sociedade tornam-se “embriões “ de algo sem futuro. O descaso que está sendo feito com a educação de modo geral delibera como serão os anos vindouros pois quando falamos em futuro parece algo longe demais, mas ao falarmos nos anos que virão sabemos por experiência que cada ano tudo está mais difícil, é só lembramos dos alunos que tínhamos a alguns anos atrás de como estamos hoje, de como o professor era visto a alguns anos atrás e de como está hoje. Se não houver união agora, então melhor nos recolhermos a insignificância de nosso ser pois este é o momento da mudança, vamos “germinar” para vida, para a sociedade e para a cidadania. Vamos juntos exercer nossa cidadania, vamos mostrar na prática aquilo que tão bem ensinamos com teorias em sala de aula. Esta é a hora... a greve do magistério é nossa grande fonte de esperanças para a mudança que tanto almejamos. E aqueles que ainda não estão nesta luta que reflitam sobre sua vida, sua profissão e o que se quer para o futuro, pois cada passo dado não tem volta e cada dia vivido deve ser da melhor maneira possível, pois ele é único.
ResponderExcluirA professora Iara é um grande exemplo de persistência, paciência e de amor ao que faz. É de professores assim que precisamos, com certeza. Só quem está em sala de aula é que sabe dos conflitos existentes no dia-a-dia. Parabéns Iara pela sua garra e coragem de expor suas angústias. Profª Célia.
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